Enviado por Ricardo Noblat - Comentário
O que leva pessoas às ruas
Em 1983, o regime militar inaugurado no país 19 anos antes dava claros sinais de esgotamento. A oposição crescera no Congresso e governava alguns Estados importantes. A inflação disparava corroendo os salários. Fecharia o ano alcançando a casa dos 239%.
Foi quando a oposição teve a ideia de deflagrar uma campanha pelo restabelecimento das eleições diretas para presidente da República. Desde o golpe militar que o presidente era eleito pelo Congresso e por uma pequena fatia de deputados estaduais.
O primeiro comício pelas "Diretas, Já!" ocorreu em Abreu e Lima, município do Grande Recife, no dia 31 de março daquele ano. Não deixou registro sobre o número de participantes.
O segundo ocorreu na Praça Cívica de Goiânia no dia 15 de junho. Eu estava lá.
Goiás era governado por Iris Rezende, do PMDB. Que mobilizou a máquina pública e reuniu cinco mil pessoas para ouvirem um discurso inflamado do deputado Ulysses Guimarães, líder nacional da oposição.
No dia 27 de novembro, em São Paulo, sob o comando do governador Franco Montoro (PMDB), 15 mil pessoas se reuniram na Praça da Sé pedindo "Diretas, Já!" Novamente a máquina pública foi acionada para garantir o sucesso do comício.
O governador Leonel Brizola (PDT), do Rio de Janeiro, decretou ponto facultativo nas repartições, fechou as escolas, pôs para circular transporte gratuito e ajudou a reunir um milhão de pessoas diante da Igreja da Candelária no dia 10 de abril de 1984.
Foi o maior comício das "Diretas, Já!", que dali a seis dias foi superado por outro comício em São Paulo que atraiu um milhão e quinhentas mil pessoas.
A emenda que restabelecia as "Diretas, Já" foi derrotada no Congresso na noite de 25 de abril. Obteve 298 votos a favor, 65 contra e três abstenções. Como 112 deputados preferiram fugir do plenário da Câmara, a emenda acabou arquivada por não ter alcançado o número mínimo de votos para sua aprovação.
Ao longo de sua história, em poucas ocasiões o país testemunhou manifestações políticas de grande porte que não tenham dependido de mobilização da máquina pública.
O cortejo que levou o corpo do presidente Getúlio Vargas do Palácio do Catete ao aeroporto Santos Dumont, no Rio, foi uma dessas ocasiões. A passeata de um milhão de pessoas no Rio contra a ditadura, em 1968, foi outra.
Penso que isso ajuda a compreender porque os atuais e esporádicos atos contra a corrupção têm feito tão pouco sucesso de público.
Não há governos, partidos, movimentos sociais organizados por trás deles. Também não há uma ditadura a ser derrubada. Nem a ameaça de vermos nossos bolsos esvaziados.
Há somente o sentimento difuso de que a corrupção se alastra e de que pouco se faz para combatê-la de verdade. Isso não manda ninguém para as ruas - no máximo para os computadores.
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